No quarto escuro. Os
movimentos propagavam-se no ar sombrio de uma alma silenciada. Calou-se o
tremor que batia suas asas de perseguição. Cessou a convulsão que turbilhava o
âmago do seu ser. A fumaça do cigarro ondulava formas sinuosas, expiradas de
pulmões e tabaco consumidos a si mesmos. Café frio repousava na caneca marcada
de batom e saliva amarga, com gosto de estrada rodada, de velhos tempos em ti
presentes. Mãos inseguras tateavam sobras de ideais oníricos, objetivos
distintos daqueles que de fato por sua vida lutou. Perdera-se no meio do
caminho. E o som da madrugada, ria do desmanche sôfrego de uma carcaça em corrosão. O carpete
macio não atenuava as marcas da ferradura que seus pés calçaram para chegar até
ali. A suavidade de seu flanco sensual ancorou na violência de inescrupulosos
dilemas. A organização do cômodo de agora não condizia com a necessidade de revirar
o seu mundo pelo avesso. Horas de desespero trazidas à tona pelo vinho na taça.
Direcionou-se pela via errada. Um bom travesseiro e um cobertor quentinho
acabariam com tudo isso. Depois de um banho. De corpo e alma. Consciência
ensaboada, desinfetada, polida. Agora poderia ter o sono tranquilo. Mas as
imagens persistiam em lhe deprimir. O jeito seria recorrer às chaves do carro.
Antes fossem as chaves da redenção. O medo aprisiona, enclausura, executa-se a sentença.
Até que a última dívida seja paga. Alguém em nós é o juiz; o júri; o réu...
Dias frios de pulso
ardente, seguia com os nervos a latejarem-lhe a cabeça por dentro, dirigia a esmo,
imune ao erro da derrota ou do fim. A fragilidade humana. Um eco perdido na
triste condição de paralelamente existir à morte da guerreira iluminada que um
dia se fez ver e ouvir. Tornou-se escrava na vicissitude de reinos e eras
glaciais. Suicidou-se flagelada pelas feridas que nunca cicatrizariam. Os
faróis gritantes da madrugada selvagem aterrorizavam os sentidos semimortos do
corpo prostrado ao volante. A noite interminável não parecia render-se aos
quilômetros percorridos da máquina veloz que furava o túnel invisível da
fraqueza e desesperação. Foi quando viu aquela jovem, linda, cheia de vida no acostamento
da rodovia. Ela não parou e viu a mesma moça mais adiante. Por fim chorou. E
parou o carro. Voltou com o carro e a deixou entrar.
- Para onde vai?! - perguntou
aos prantos.
- Vou te acompanhar para
onde for. - respondeu-lhe o lindo rosto juvenil. Tinha enfim encontrado o que
julgava morto. Tinha reencontrado a si mesma, refeita, vitoriosa, plena.
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