domingo, 30 de agosto de 2015

Texto um tanto piegas e meio amador.. eu sei; mas eu o adoro! Escrevi esse conto há algum tempo, então fiz algumas revisões e procurei não fazer muitas alterações. Para mim é gostoso rever (ou melhor, reler!) coisas de épocas em que a concepção tanto das ideias quanto da estrutura e construção da redação eram outras... Segue então abaixo, Amor Bandido.



Amor bandido

Foi num final de semana chuvoso que minha vida mudou completamente. Através da vidraça embaçada eu olhava a chuva caindo, estridente, batendo nos canos metálicos da fábrica. A noite fresca aliviava o ar abafado da tarde sufocante. Ainda assim parecia-me irrespirável a atmosfera do ambiente. A solidão daqueles corredores era angustiante; não aguentava mais aquele trabalho. Não era só entediante, era frustrante e desolador. Eu passava horas monitorando salões e corredores vazios. Minha vontade era sair e deixar tudo para trás, para não mais voltar. Mas eu me acovardava diante da possibilidade real. Eu não tinha muitas perspectivas para minha vida e meu futuro.
Eu estava há quase quatro meses nesse serviço, e até então não tivera problema de espécie alguma na firma. Entrei com boa indicação, tinha boas qualificações e seguia rigorosamente o regulamento, tanto que até criara algumas inimizades devido à minha postura. Durante uma ronda naquela melancólica madrugada, verificando os fundos de um dos galpões da fábrica, fui surpreendido por um barulho em uma das portas laterais do prédio. Com cautela, fui checar o ruído, acreditando não passar de algum gato ou outro bicho que tivesse esbarrado ou deixado cair algo. Ao me aproximar, percebi a porta destravada, e foi apenas o tempo de sentir o impacto dela ao me atingir com veemência, levando-me ao chão. Dessa forma os invasores facilmente dominaram-me, e em seguida amarraram meus pulsos. Eles estavam em três e toda a ação aconteceu rapidamente. A destreza e rapidez com que agiram, deixou claro que tratava-se de profissionais que sabiam exatamente o que queriam, e como fazer para consegui-lo. Levaram-me para desacionar o sistema de segurança programado. Eu não queria ceder, até vê-la. Ela era a líder do grupo. Uma mulher que não temia esconder sua identidade não usando máscara, ou qualquer outro disfarce. Vestia roupas pretas que, coladas em seu corpo, contornavam sua bela silhueta. Era a voz de comando e respeito no meio daquele bando. Ao primeiro contato com aquela figura autoritária e feminina, eu sabia que já estava irremediavelmente rendido e a ela entregue. Seu magnetismo me seduziu. Eu a encarei, e sua expressão impassível exigiu de mim, silenciosamente, obediência, ganhando assim mais um soldadinho para seus propósitos.
Eles tinham tudo muito estudado e planejado, e rapidamente a tarefa foi executada e eu fui levado como refém. Em momento algum sofri agressão física, mas pressão, coerção psicológica sim. Vendado, fui posto num carro que arrancou velozmente do local, e cujos ocupantes permaneceram calados a maior parte do trajeto. Em determinado momento, a voz feminina me interrogou querendo saber mais sobre mim, e confesso que falando da minha vida pessoal, gaguejei um pouco. Perguntou-me se eu tinha mulher e filhos para criar, o que lhe respondi negativamente. Indagou-me então que raios eu fazia naquele serviço...
- Seguindo para não parar no meio do caminho. Um dia minha rota pode mudar – E ela então cessou com as perguntas. Não sei dizer quanto tempo se passou durante o percurso, sei apenas que o aroma que ela exalava, e eu inalava, acalmava minha ansiedade, por mais estranho que pareça. Talvez ainda não soubesse bem ao certo, mas um novo mundo a mim estava mostrando-se. O carro parou; desceram-me. Eu apenas conseguia identificar o ruído de nossos passos sobre pedregulhos. Escutei a voz da misteriosa chefe dizendo a um dos homens que me levassem a sua sala. A julgar pelo caminho que percorri, parecia um grande depósito, e após alguns degraus, fui introduzido em um cômodo. Sentaram-me. Após alguns minutos ela chegou, falando para nos deixar a sós. A batida de seus saltos denunciavam sua aproximação. Seu cheiro era irresistível. Ela tirou minha venda, fixando seus grandes olhos verdes em meu rosto, enquanto seus carnudos lábios moveram-se lentamente.
- Se você pudesse fazer uma escolha agora, qual seria? - apreciando seu belo rosto, sua postura imponente, seu ar sedutor e sério, respondi com certa sofreguidão:
- Mesmo se eu tivesse em condições de optar por algo, eu não saberia o que escolher. E agora, estou em suas mãos.
- Quero que trabalhe conosco. Acho que você está em uma direção errada. A gente tem que sentir prazer e satisfação naquilo que faz, e não me parece seu caso. Você merece a chance de explorar novas direções.
Eu aceitei. Aceitaria qualquer coisa hipnotizado por aqueles grandes olhos de esmeraldas. Ela me desamarrou e eu perguntei-lhe se ela não temia ter feito aquilo. Com um risinho sarcástico ela disse que nós dois sabíamos que não havia perigo, nem imediato, nem futuro. Em nenhum instante ela hesitou em me deixar à mercê de minhas próprias vontades e escapar. Não fui forçado, fiquei ali porque quis, e passei por uma fase de treinamento e testes.
Eu era designado para realizar pequenas tarefas, internas, e era constantemente monitorado. Aos poucos fui sendo aceito pelo grupo, e entendendo o funcionamento e o processo daquele tipo de trabalho. Sentia-me cada vez mais envolvido com aquilo tudo. Certa tarde fui até o escritório pegar instruções para minhas próximas tarefas, e encontrei a porta aberta e a sala vazia. A maior parte do grupo havia saído para realizar um serviço encomendado. Entrei decidido aguardar lá dentro minha chefe chegar. Vi algumas caixas abertas em sua mesa e curioso aproximei-me. Em uma das caixas avistei um uniforme, e quando eu ia tirá-lo dali, senti um golpe e meus dois braços ficaram imobilizados para trás. Era ela. Perguntou-me com a ponta de um canivete em meu pescoço:
- O que pensa que está fazendo aqui? - as pontas de seus dedos encostaram em meu rosto com uma suavidade segura e determinada. Percebi que minha vida estava literalmente em suas mãos. Ela fechou o canivete e virou meu rosto, sem liberar meus braços. Olhamo-nos com a intensidade da volúpia que atiça duas almas sedentas de desejo. Um vácuo no tempo se abriu e nada mais no espaço se colocava entre nós. A sensação era mútua. A fome e a vontade também. Num ímpeto ela me soltou e exigiu que eu seguisse minha intuição, que eu estava livre para seguir meu caminho, o verdadeiro, só dependia de mim dar o primeiro passo. Nunca fui bom em conquistas, em flertar e me dar bem com as mulheres. Minha timidez e insegurança nunca me permitiram. Mas mesmo diante de uma mulher poderosa como aquela, não sei o que me impulsionou até ela e eu a tomei em meus braços, beijando-a com tesão e vontade. Ela entregou-se reciprocamente. Minhas mãos foram deslizando pelo seu corpo arrancando-lhe as roupas, e nossas bocas não ousavam se descolar, enquanto nossas carnes inflamavam a medida em que nossa sintonia química aumentava. Nossos corpos fundiram-se na explosão de um clímax descontrolado e arrebatador. Eu não era mais o mesmo; depois de ter aquela mulher, nunca mais seria o mesmo. Ela vestiu-se e disse-me que ia checar para certificar se tudo estava em ordem no depósito, se alguém havia chegado. Ao regressar, encontrou-me sentado em sua cadeira; semblante, expressão e postura de um perfeito servo ao seu dispor. Eu havia renascido e não me desvirtuaria de minha nova filosofia de vida: segui-la até o inferno se preciso fosse.
Foi assim que começou minha vida no crime. Foi assim que começou minha saga ao lado da mulher com quem queria passar o resto de meus dias. Eu a chamava de Sky, meu Céu, e com essa parceria, nossos negócios prosperaram internacionalmente. Recebíamos trabalhos encomendados de toda parte do mundo, desde magnatas anônimos a ilustres personalidades. Especializamo-nos em furtos e roubos de informações e documentos. Usávamos tecnologia de ponta para driblar esquemas sofisticados de segurança. Quando necessitávamos de ajuda extra, sabíamos com quem contar, chamávamos os melhores e mais respeitados peritos da área. Tínhamos o Furão, exímio com explosivos e táticas de arrombamento; Billiu, o motorista mais calculista e veloz que eu já conheci; Tom, ”O Espião”, cuidava dos pormenores do serviço de análise do terreno, vigilância e levantamento de informações para a elaboração da estratégia que empregaríamos. Finalmente minha Sky, a hacker mais astuta que já vi, capaz de burlar esquemas complicadíssimos de códigos em linguagens de TI, e decodificar controles de sistemas com maestria. Aperfeiçoei-me em abrir cofres, e juntamente com Sky bolava a estratégia e as diretrizes do plano que executaríamos.
Contávamos com essa equipe em casos mais complexos, como no caso de recuperação de documentos fraudulentos guardados em um cofre de uma empresa de prestação de serviços que estava tentando chantagear nosso cliente. Entramos no estabelecimento, abrimos o cofre e pegamos os tais documentos, e para ganhar tempo na fuga, preparamos algumas artimanhas pirotécnicas executadas por Mr. Furão. Nossa retirada foi apoteótica com direito a efeitos especiais. Foi um dos trabalhos mais divertidos que já tivemos. Depois desse trabalho, tiramos férias na Ilha de Páscoa por algumas semanas. Sky estava radiante envolvida na atmosfera mística do lugar. Almoçávamos ao ar livre e fazíamos amor contemplados por aquelas estatuetas tão misteriosas quanto a própria ilha. Não ter morada fixa, excitava a ambos, éramos cidadãos do mundo aproveitando ao máximo as vantagens da globalização. Eu a amava e isso me era indissociável, ela era intrínseca à minha própria natureza.
Sky sempre acreditara em intuição, sexto sentido, revelação; ao seu ver nada era ao acaso. E o porque, segundo ela, nos era soprado ao ouvido ou anunciado por sinais. Segundo seu relato, fora assim que ela chegara a mim e me descobrira como sua alma gêmea, sua outra parte.
Lembro-me de nossa última investida, nosso último serviço antes da dor da separação. Minha mulher costumava consultar as cartas, acreditando plenamente que podíamos prever o futuro através da cartomancia. Quando as jogou para saber a respeito do trabalho em questão que realizaríamos, a sorte foi das piores. Não seríamos prósperos, corríamos sérios riscos. Tentou de todo jeito me fazer desistir, mas eu lhe jurei que estava tudo sob controle, que já havíamos pegado casos mais complicados e difíceis; daria tudo certo, e que se ela quisesse, pararíamos depois daquele serviço, seria nossa garantia de aposentadoria. Mas não era isso que ela queria. Sky amava o que fazíamos, e assim como eu, sentia prazer em nosso trabalho.
Entramos em uma residência particular para pegar material de segredo empresarial. Estudamos durante semanas a casa, a rotina de cada um que a frequentava. Tom chegou a trabalhar na mansão como técnico de manutenção em eletrônica para ter acesso ao seu interior a fim de obtermos mais informações. Tudo planejado, chegou o grande dia. Desativamos o sistema local de segurança, mas sabíamos que ainda havia dois outros em pontos específicos da casa. Por um descuido de atenção, acionamos um dos alarmes centrais e o sistema de fechamento e travamento do gabinete em que estávamos foi ativado. Não tinha como sairmos. Sky havia ficado no furgão comandando de lá cada passo nosso. Não foi sua culpa o erro, foi minha. Um toque em algo que eu não devia ter mexido jamais: um quadro fora do lugar. Eu pedi, implorei através do ponto no ouvido a Sky para fugir que depois eu daria um jeito. Ordenei a Biliu que saíssem do local. Cheguei a ser estúpido com ela para que se fosse. Tom e eu fomos presos uns dez minutos depois, com a mansão cercada por policiais. Não tinha como escaparmos nem do gabinete, nem do cerco policial. Nunca entregamos Sky ou Biliu, e minha admiração pela lealdade de nosso “Espião” só aumentou. Fomos condenados a doze anos de prisão cada um. Ficamos em presídios diferentes. Disse a Sky para que nunca nos visitasse; usávamos intermediários, celulares entre outros meios para nos comunicar.
Após um ano preso, concretizei um plano de fuga que favoreceria tanto a mim quanto ao meu amigo Tom. Fiz as conexões necessárias para facilitar nossa fuga, e no dia programado, saí normalmente para realizar o trabalho de serviços gerais no qual fora designado dentro do presídio. O caminhão da empresa terceirizada, responsável pela refeição dos internos chegou no horário marcado, e através de manobras e subornos, pude entrar num dos compartimentos do veículo e sair da penitenciária sem problemas, para sempre. O mesmo acontecia a Tom em um outro ponto do estado. Sky foi me pegar no lugar combinado. Não sei descrever a alegria e o alívio ao vê-la junto a mim novamente. Estava junto de minha Sky. Fizemos amor e eu lhe jurei que não mais nos separaríamos.
Fomos pegar Tom e lhe entregamos seus novos documentos, sua nova identidade. O companheirismo com os membros de nossa equipe só aumentou. Cuidamos uns dos outros tal como uma família. Lealdade está acima de tudo.
Sky é minha chave-mestra, e é a real motivação disso tudo. Nunca deixamos o roubo de lado. Além de nosso amor um pelo outro, é o que nos incita, nos dá prazer e proporciona conforto ao nosso estilo de vida. Enfrentamos riscos como em qualquer outra profissão, claro que com uma dose extra de adrenalina e de ilegalidade. Ainda assim pra mim é o que vale a pena. É vivendo assim que descobri que é esse o meu caminho, e era sobre isso que Sky me indagou quando nos conhecemos. Com ela descobri minha direção. Obviamente não é o caminho que aconselho as pessoas seguirem, o risco disso tudo provavelmente não valha a pena... não vale se você não tem o amor e a sorte a seu lado.


Nenhum comentário:

Postar um comentário